Artigo

As peripécias do ChatGPT

Por Eduardo Ritter - Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Um dos problemas de quem não tem o hábito de ler e estudar é querer achar soluções simples e baratas para tudo. Nesta semana, vi a notícia sobre o governo de São Paulo que, conforme o site do G1, “planeja implementar um projeto-piloto para utilizar uma plataforma de inteligência artificial, como o ChatGPT, nas atualizações do material digital usado por professores”. No documento o governo explica que os professores vão revisar as aulas produzidas pelo ChatGPT e IA de forma geral. Porém, o uso dessas ferramentas para “dar aula”, além de descartar uma das mais eficazes formas de aprendizado, que é a humanização e a relação do conteúdo com as experiências humanas, ainda abre brecha para que os próprios alunos utilizem livremente essas ferramentas para fazer provas e trabalhos. Ou seja, teremos o ChatGPT coordenado por professores dando aula para o ChatGPT coordenado pelos alunos...

Aí é que mora o perigo. Em poucos semestres de uso, já me deparei com algumas peripécias produzidas pelo ChatGPT e entregue como trabalho por alunos. A mais cômica foi quando convidei a jornalista, escritora e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fabiana Moraes, para palestrar para uma turma de Jornalismo do segundo semestre da UFPel. Após assistir a palestra, os alunos deveriam entregar um resumo com a fala da convidada. Acontece que uma das principais obras dela se chama “O nascimento de Joyci”, um livro-reportagem que conta a história de um agricultor pobre do sertão de Pernambuco que faz a cirurgia de mudança de sexo depois dos 50 anos para se tornar oficialmente Joycy.

Pois eis que um de meus alunos, mesmo estando em aula no dia da palestra, recorreu ao ChatGPT para fazer o resumo. Não sei exatamente que comando ele deu, mas imagino que deva ter solicitado um resumo envolvendo a obra O nascimento de Joycy, e então o ChatGPT entregou um resumo falando sobre a vida de James Joyce. Em outras palavras, a inteligência artificial trocou a história da Joycy, transexual do sertão de Pernambuco, pela do escritor irlandês James Joyce, um dos mais famosos da literatura universal, falecido em 1941.

Enquanto lia o texto, eu literalmente chorava: um pouco pela comicidade das palavras que estavam na minha frente, outro pouco pela frustração de ver um aluno fazer isso. Eis a miscelânea que o ChatGPT entregou para o aluno, que tomou tais palavras como verdade: “Fabiana Moraes fez um comentário sobre o livro O Nascimento de Joycy, oferecendo um resumo abrangente dele. O livro explora a vida e obra da escritora irlandesa James Joyce, concentrando-se especialmente em sua formação como autor e nas influências que moldaram seu estilo literário único. A obra mergulha na complexa jornada de Joyce, desde sua infância na Irlanda até suas experiências de vida em diferentes países europeus”. Tu vês.

Além de não tratar da verdadeira Joycy da obra de Fabiana Moraes, uma transexual do sertão nordestino contemporâneo, o ChatGPT transformou o escritor James Joyce em a escritora James Joyce. Bom, pelo menos nisso ele foi coerente.

Finalizo afirmando: essa é a política de educação almejada por políticos que não gostam da educação e muito menos da literatura, como é o caso do nobre governador de São Paulo e de boa parte dos líderes políticos brasileiros contemporâneos. Aliás, como sempre foi por estas bandas. Um bom final de semana a todos.


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